Achei interessante este texto inserto no blog "Câmara Corporativa", pelo que aqui fica à consideração dos leitores.
..................................///............................
quarta-feira, dezembro 10, 2014
Fraude de Passos Coelho:
afinal, a vida do
mexilhão só melhorou entre 2006 e 2010
afinal, a vida do mexilhão só melhorou entre 2006 e 2010
Ou de como o ilusionismo político e o
jornalismo apressado
podem conspirar contra a compreensão da realidade
podem conspirar contra a compreensão da realidade
• Alexandre Abreu, O
mexilhão e as notícias apressadas:
«No mesmo dia da semana passada, duas notícias relacionadas e consistentes
entre si.
Em Braga, num seminário sobre Economia Social, Passos Coelho elogiou a
justiça social das medidas tomadas pelo seu Governo, afirmando que no contexto
da actual crise, "ao
contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que
são sempre os mesmos (...) desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem
tinha mais, disso não há dúvida".
Segundo o primeiro-ministro, "a crise
não agravou as desigualdades, houve até uma tendência para corrigir algumas
delas".
Exactamente no mesmo dia, corroborando as palavras de Passos Coelho, a Lusa publicou uma notícia que dava conta da publicação de um relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre a evolução dos salários e da desigualdade a nível global (o "Global Wage Report 2014/2015").
Exactamente no mesmo dia, corroborando as palavras de Passos Coelho, a Lusa publicou uma notícia que dava conta da publicação de um relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre a evolução dos salários e da desigualdade a nível global (o "Global Wage Report 2014/2015").
Nas versões
adaptadas e republicadas tanto pelo Expresso
como pelo Jornal
de Negócios (que foram as que encontrei), lia-se aí que em Portugal,
"nos últimos anos", a desigualdade entre as famílias de maior e menor rendimento
ter-se-á reduzido em virtude das primeiras terem sofrido uma maior perda de
rendimento.
Ou seja, temos as belas palavras do primeiro-ministro, mas temos
também, a apoiá-las, os dados sólidos e objectivos do estudo da OIT.
Parece que
todos teremos sofrido, mas os mais ricos até terão sofrido mais do que os mais
pobres. O mexilhão não foi quem verdadeiramente se lixou.
Claro que os mais desconfiados poderão achar difícil conciliar estes dados com tudo o que sabemos sobre as políticas de austeridade implementadas em Portugal nos últimos anos.
Claro que os mais desconfiados poderão achar difícil conciliar estes dados com tudo o que sabemos sobre as políticas de austeridade implementadas em Portugal nos últimos anos.
Ou sobre a própria economia
política da recessão e sobre a forma como o desemprego generalizado pressiona em
baixa os salários, o que aliás tem constituído, admitidamente, uma parte central
da estratégia do Governo - a funesta "desvalorização
interna".
No mínimo, parece estranho.
E é mesmo.
No mínimo, parece estranho.
E é mesmo.
Se
nos dermos ao trabalho de consultar o
dito relatório da OIT (p.24), verificamos que a conclusão que aí se
retira relativamente à evolução da desigualdade em Portugal é efectivamente a
que indica a notícia da Lusa... só que "os últimos anos", afinal, correspondem ao
período 2006-2010.
Infelizmente, os dados sobre desigualdade são relativamente escassos e produzidos com algum desfasamento temporal, ao qual se soma ainda o desfasamento adicional associado ao tempo de elaboração de relatórios deste tipo.
Infelizmente, os dados sobre desigualdade são relativamente escassos e produzidos com algum desfasamento temporal, ao qual se soma ainda o desfasamento adicional associado ao tempo de elaboração de relatórios deste tipo.
Daí que a OIT publique um relatório global "2014-2015"
em que a análise da evolução da
desigualdade de rendimento no contexto da crise se detenha... em
2010.
Mas por acaso até sabemos um pouco mais sobre a evolução posterior da desigualdade em Portugal. Sabemos, por exemplo, que o coeficiente de Gini (tanto mais elevado quanto maior a desigualdade), depois de ter registado uma notável redução de 38,1 em 2005 para 33,7 em 2010, voltou a subir para 34,2 em 2011, 34,5 em 2012 e novamente 34,2 em 2013.
Mas por acaso até sabemos um pouco mais sobre a evolução posterior da desigualdade em Portugal. Sabemos, por exemplo, que o coeficiente de Gini (tanto mais elevado quanto maior a desigualdade), depois de ter registado uma notável redução de 38,1 em 2005 para 33,7 em 2010, voltou a subir para 34,2 em 2011, 34,5 em 2012 e novamente 34,2 em 2013.
E sabemos também, por exemplo,
que a percentagem da população em risco de pobreza (que é também uma medida da
desigualdade, uma vez que se trata de pobreza relativa) aumentou
de 24,9% em 2009 para 27,4% em 2013.
E isto para não falar das centenas de milhar de
pessoas que se viram forçadas a emigrar, deixando de contar para estas
estatísticas.
Os dados não abundam, mas os que existem são
consistentes com o que a
maioria percebe claramente: tem mesmo sido o mexilhão a
lixar-se.
Que o primeiro-ministro tem, digamos, uma relação flexível com a verdade é algo já bastante conhecido.
Que o primeiro-ministro tem, digamos, uma relação flexível com a verdade é algo já bastante conhecido.
Mas dos jornalistas, enquanto baluarte
de uma sociedade democrática, espera-se menos pressa e mais cuidado.
Especialmente quando estão em causa questões desta importância.»