sábado, 13 de dezembro de 2014

A vida do Mexilhão, por Câmara Corporativa

Achei interessante este texto inserto no blog "Câmara Corporativa", pelo que aqui fica à consideração dos leitores. 
 
..................................///............................
 
quarta-feira, dezembro 10, 2014

Fraude de Passos Coelho:
afinal, a vida do mexilhão só melhorou entre 2006 e 2010

Ou de como o ilusionismo político e o jornalismo apressado
podem conspirar contra a compreensão da realidade

• Alexandre Abreu, O mexilhão e as notícias apressadas:
    «No mesmo dia da semana passada, duas notícias relacionadas e consistentes entre si.
    Em Braga, num seminário sobre Economia Social, Passos Coelho elogiou a justiça social das medidas tomadas pelo seu Governo, afirmando que no contexto da actual crise, "ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...) desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida".
    Segundo o primeiro-ministro, "a crise não agravou as desigualdades, houve até uma tendência para corrigir algumas delas".

    Exactamente no mesmo dia, corroborando as palavras de Passos Coelho, a Lusa publicou uma notícia que dava conta da publicação de um relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre a evolução dos salários e da desigualdade a nível global (o "Global Wage Report 2014/2015").
    Nas versões adaptadas e republicadas tanto pelo Expresso como pelo Jornal de Negócios (que foram as que encontrei), lia-se aí que em Portugal, "nos últimos anos", a desigualdade entre as famílias de maior e menor rendimento ter-se-á reduzido em virtude das primeiras terem sofrido uma maior perda de rendimento.
    Ou seja, temos as belas palavras do primeiro-ministro, mas temos também, a apoiá-las, os dados sólidos e objectivos do estudo da OIT.
    Parece que todos teremos sofrido, mas os mais ricos até terão sofrido mais do que os mais pobres. O mexilhão não foi quem verdadeiramente se lixou.

    Claro que os mais desconfiados poderão achar difícil conciliar estes dados com tudo o que sabemos sobre as políticas de austeridade implementadas em Portugal nos últimos anos.
    Ou sobre a própria economia política da recessão e sobre a forma como o desemprego generalizado pressiona em baixa os salários, o que aliás tem constituído, admitidamente, uma parte central da estratégia do Governo - a funesta "desvalorização interna".

    No mínimo, parece estranho.

    E é mesmo.
    Se nos dermos ao trabalho de consultar o dito relatório da OIT (p.24), verificamos que a conclusão que aí se retira relativamente à evolução da desigualdade em Portugal é efectivamente a que indica a notícia da Lusa... só que "os últimos anos", afinal, correspondem ao período 2006-2010.

    Infelizmente, os dados sobre desigualdade são relativamente escassos e produzidos com algum desfasamento temporal, ao qual se soma ainda o desfasamento adicional associado ao tempo de elaboração de relatórios deste tipo.
    Daí que a OIT publique um relatório global "2014-2015" em que a análise da evolução da desigualdade de rendimento no contexto da crise se detenha... em 2010.

    Mas por acaso até sabemos um pouco mais sobre a evolução posterior da desigualdade em Portugal. Sabemos, por exemplo, que o coeficiente de Gini (tanto mais elevado quanto maior a desigualdade), depois de ter registado uma notável redução de 38,1 em 2005 para 33,7 em 2010, voltou a subir para 34,2 em 2011, 34,5 em 2012 e novamente 34,2 em 2013.
     
    E sabemos também, por exemplo, que a percentagem da população em risco de pobreza (que é também uma medida da desigualdade, uma vez que se trata de pobreza relativa) aumentou de 24,9% em 2009 para 27,4% em 2013.
    E isto para não falar das centenas de milhar de pessoas que se viram forçadas a emigrar, deixando de contar para estas estatísticas.
    Os dados não abundam, mas os que existem são consistentes com o que a maioria percebe claramente: tem mesmo sido o mexilhão a lixar-se.

    Que o primeiro-ministro tem, digamos, uma relação flexível com a verdade é algo já bastante conhecido.
    Mas dos jornalistas, enquanto baluarte de uma sociedade democrática, espera-se menos pressa e mais cuidado. Especialmente quando estão em causa questões desta importância.»

terça-feira, 22 de julho de 2014

DESAPOSENTAR-SE, por Domingos Pellegrini

Gostei muito deste texto, que me foi remetido por email, supostamente da autoria de Domingos Pellegrini, e aproveito para o divulgar neste meu blog...

Fotos do Google
 
.....................///...................
 
DESAPOSENTAR-SE

O homem chegou à praça com um martelo.
Endireitou a estaca de uma muda de árvore, firmou-a melhor no solo com a ajuda da ferramenta e prendeu a planta à estaca.
Em seguida afastou-se, como que para contemplar uma obra de arte.
 


Não resisti a puxar conversa:

— O senhor pertence à câmara?

— Não, pertenço à Alice.
É minha mulher há quarenta e dois anos.

— Foi o senhor que plantou essa muda?

— Não, foi a câmara.
Caiu uma árvore velha e plantaram esta nova.
Mas, como o fizeram sem cuidado, eu coloquei-lhe uma estaca e adubei-a.
Agora está cheia de folhinhas novas e rego-a todas as tardes.

— Vê-se que gosta de plantas…

— Gosto de plantas, de animais, até gosto de pessoas.

— Obrigado pela parte que me cabe…

O homem sorriu, tirou uma tesoura enorme da cinta e começou a podar um arbusto.

— O senhor é aposentado? — quis eu saber.

— Não, sou desaposentado — respondeu, brincalhão.

Logo a seguir, começou a explicar-me o trocadilho enquanto podava.

— Sabe, quando me reformei, já tinha visto muitos colegas aposentarem-se e definharem, como se fossem árvores regadas com ácido de bateria.
Sabia que há comerciantes que regam plantas com ácido de bateria com medo de que elas cresçam e encubram a fachada da loja?
Depois ficam com a montra queimada pelo sol…

Picotou os galhos podados, que formaram um tapete de folhas em redor do arbusto, e continuou:

— Isto faz bem à terra.
Tudo o que vem da terra deve voltar à terra.
Alguns desses meus colegas enfiavam os chinelos e sentavam-se diante da televisão durante todo o dia.
Outros iam até ao café beber cerveja ou dormiam toda a tarde.
Engordaram tanto que acabaram por ter derrames cerebrais ou enfartes.
Era uma vida passada a não fazer nada e a falar constantemente de doenças…

Cortou algumas flores e compôs um ramo.

— É para a minha mulher.
Apesar de ser um ano mais velha do que eu, parece uma menina sempre que recebe flores.
A Alice também está reformada, mas ajuda a cozinheira da escola da nossa neta a fazer doces com pouco açúcar e a aproveitar os legumes que antes deitavam fora para fazer salgadinhos.
Além de dar uma mãozinha na creche e no hospital.
Como passa a vida a ajudar os outros, nem tem tempo para pensar em doenças…

Amarrou o ramo com um fio de erva e pousou-o num banco com cuidado.

— Sempre que preciso de regar, tenho de ir buscar água a casa.
Pedi à câmara que colocasse uma torneira no jardim, mas disseram que as pessoas iam deixar a torneira a verter depois de beber água.
Disse-lhes que lhe pusessem uma grade e um cadeado e que eu tomaria conta da torneira.
Recusaram, com o pretexto de haver um bem público controlado por um particular.
Nessa altura, perguntei-lhes porque me deixavam cuidar da praça se não me deixavam cuidar de uma torneira.
Quando me perguntaram quem me dera autorização, vim embora antes que mo proibissem.
Ou que obrigassem a preencher formulários com três cópias…

Mudando de assunto, chamou a minha atenção para um pinheiro da praça.

— Está a ver aquele pinheiro fêmea?
Foi a Alice que o plantou.
Só havia um pinheiro macho, mas agora vai haver pinhões, porque ele vai polinizar o pinheiro fêmea.

— Eu nem sabia que havia pinheiros de dois sexos — comentei.

— Nem eu — confessou ele — mas tenho aprendido muito desde que cuido desta praça.
Hoje sei quais são as épocas de floração de cada planta, conheço o canto de cada passarinho, e vejo a mudanças das estações como se fosse um filme.

— Mas ainda vai demorar a dar pinhões, não vai? — perguntei, olhando para a pinheirinha.

— Pressa é coisa que não tenho — assegurou ele.
— A nossa neta ainda é pequenina e eu já lhe disse que era ela que ia colher os pinhões.
Sem a câmara saber, claro…
A Alice disse-lhe que ela teria de plantar um pinhão de cada pinha que colher. Assim, quando for velhinha, a nossa neta vai poder ver um pinhal inteiro plantado por ela.
 


— Sabe, acho admirável ver alguém da sua idade com tanta esperança! — comentei.

O homem sorriu e disse:

— Se é admirável ou não, não sei.
Só sei que sabe bem.
Agora, se me dá licença, tenho de ir buscar a Alice para caminharmos um pouco.
A vida de um desaposentado é assim: o dinheiro é curto, mas o dia pode ser comprido, se não perdermos tempo com coisas inúteis!

Domingos Pellegrini
(Texto adaptado)

domingo, 20 de julho de 2014

Apenas cretinice?, por Pedro Marques Lopes


Face ao interesse do texto escrito pelo Pedro Marques Lopes, não posso deixar de o divulgar, neste meu blog...

.................///..................

por PEDRO MARQUES LOPES

PEDRO MARQUES LOPES1 Na quarta-feira passada fiquei a saber que os reformados e aposentados não podem exercer qualquer tipo de funções públicas.
E não, não se está a falar apenas de cargos executivos ou similares.
Um homem, com quarenta anos de experiência na área dos serviços florestais, não pode integrar uma comissão estatal para estudar os problemas do setor; uma mulher, que toda a vida tenha trabalhado no Serviço Nacional de Saúde, não pode transmitir os seus conhecimentos a quem está agora encarregue de uma qualquer pasta da atividade; um gestor público aposentado está proibido de dar uma conferência numa universidade pública; um ex-quadro de um banco ligado ao Estado não pode ter um programa de patinagem artística na RTP.
 
Não, nada tem que ver com os problemas financeiros que o Estado português tem: os aposentados ou reformados não podem, pura e simplesmente, exercer qualquer tipo de funções em organismos ligados a entidades públicas, sejam pagas ou pro bono.
Muito excecionalmente, e se forem autorizados pelo ministro das Finanças, podem fazê-lo e, mesmo assim, as pessoas ficam desde logo impedidas de receber a reforma.
Ou seja, para trabalharem de borla, têm de prescindir da sua reforma...
Não, não há qualquer tipo de engano.
 
Como, provavelmente, o caro leitor, eu também não fazia ideia desta profunda infelicidade e fui para ela alertado por Bagão Félix, no seu espaço de opinião na SIC Notícias - cuja opinião subscrevo e aplaudo. A aberração consta da Lei 11/2014 de 6 de março - diz muito sobre os nossos media e a oposição ela ter passado despercebida.
O anterior diploma, sobre o mesmo assunto, já proibia a remuneração por trabalho, o que já de si era uma infâmia.
Um cidadão trabalharia meses a fio, ou semanas, ou o tempo que fosse, a preparar um qualquer documento ou estudo e nada receberia.
É assim uma espécie de comunismo 3.0: o trabalho para o Estado tem de ser gratuito, os indivíduos não interessam, o coletivo é tudo.
Em frente, demos de barato que a crise justifica tudo, até termos idiotas funcionais ou patetas deslumbrados a fazer leis.
 
Afinal a questão - ficámos desde dia 6 de março esclarecidos, sabendo que até de borla os reformados e aposentados não podem trabalhar para nada que cheire sequer a Estado - nada tem que ver com os já referidos atuais problemas financeiros do Estado português.
Temos assim duas opções: ou achamos que os representantes dos cidadãos, que fizeram e aprovaram esta lei, e o Presidente da República que a promulgou, tiveram um momento de pura cretinice ou pensamos que há aqui um pensamento.
A segunda hipótese, que com boa vontade apelido de pensamento, partirá do princípio de que um reformado ou aposentado é um peso morto para a comunidade.
Nenhuma da sua experiência, do seu trabalho de décadas em prol do bem comum (esse estranhíssimo conceito para quem nos governa) pode ser aproveitado pelas mais diversas organizações ligadas ao Estado, que deve ser até criado um cordão de sanidade entre esses inúteis e a coisa pública.
 
Talvez isto venha no seguimento de uma mentalidade, para aí promovida por uns miúdos que conhecem o mundo através de umas badanas de livros e que nunca saíram do conforto de uma escola qualquer, que afirma que foram os mais velhos, esses bandalhos que agora nos roubam o dinheiro em forma de reformas e pensões, a pôr em causa os seus empregos e os seus direitos.
Talvez haja um plano pra suprimir uma geração inteira, uns velhos que têm o descaramento de pedir o que lhes é de direito.
 
Talvez haja quem pense que uma comunidade pode subsistir e prosperar sem a desejável transmissão de experiências, dos ensinamentos das vitórias e das derrotas.
Que bela comunidade querem construir, ou melhor, será que percebem sequer a ideia de comunidade?
 
Prefiro a cretinice.
Prefiro pensar que, de facto, houve apenas um momento da mais absoluta cretinice que incluiu os governantes proponentes da lei, os deputados que aprovaram este absurdo, e o Presidente da República que a promulgou.
 
2 A lei acima referida pode, através de um olhar radiosamente otimista, ser considerada apenas um disparate.
 
Já a marcação, em segredo, de um exame aos professores para dali a cinco dias, com o objetivo de evitar qualquer tipo de reação da classe e pondo em causa as vidas das pessoas, é um ato evidentemente nojento, indigno de um governo e desrespeitador dos mais básicos direitos.
Em qualquer democracia minimamente madura, um ministro que se atrevesse a fazer uma coisa destas era imediatamente posto fora do Governo, mas, de facto, já se ultrapassaram todos os limites.
 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Morte aos velhos?..., por Victor Neves

 
"Achei" este texto no Facebook, postado pelo João Gomes.
Tomo a liberdade de aqui o reproduzir, dada a sua atualidade.
 
Morte aos velhos
 
Há um país onde a lei diz que todos são iguais, mas onde há uns menos iguais do que os outros.
 
Estes ajudaram erguer o país, e muitos, até foram à guerra em nome desse mesmo país.
 
Mas agora são gente pacífica, de físico debilitado e cujas vozes não chegam ao céu.
Não ameaçam ninguém, não paralisam o trabalho e já não cumprem os padrões de produtividade exigidos.
Adoecem mais do que os outros e são considerados um fardo para a sociedade pelo que custam em tratamentos.
 
Não trabalham para pagar o que gastam, embora já antes tivessem trabalhado para pagar o que recebem.
 
O poder político desse país entende que vivem acima das suas possibilidades e que por isso são uma dor de cabeça.
Acha mesmo que seria mais fácil governar se eles não existissem.
 
Conclui assim pela sua inutilidade, que estão a mais, que são descartáveis.
 
Não se importa de lhes dificultar o acesso à saúde, porque é indiferente que morram mais cedo.
Talvez seja até preferível, porque morrendo mais cedo ajudam a melhorar o exercício orçamental.
 
Sendo alvos fáceis e dóceis, sem capacidade contestatária e sem instrumentos de pressão, nada custa retirar-lhes direitos e regalias antes julgados vitalícios.
 
Sendo solidários e ajudando os familiares mais carenciados, não recebem em troca a solidariedade dos poderes públicos.
Pelo contrário, são os primeiros na linha de fogo e quando o poder sente alguma aflição financeira é a eles, e muitas vezes só a eles, que começa por retirar as verbas necessárias.
 
Mesmo que a suprema autoridade judicial se interponha, declarando ilegal tal prática, os governantes não se sentem na obrigação de acatar a restrição, antes a contornam e insistem no mesmo.
E insistem retirando-lhes ainda mais verbas e retirando a mais vítimas do que antes tinham feito.

Não dizem que aumentam o confisco, mas que estão a recalibrar.
Dizem também que não é um imposto, quando tem toda a forma de um imposto – e um imposto agravado.
Um imposto que se aplica apenas ao tal grupo e não a todos os contribuintes do país.
 
Esse grupo são os velhos e o país, onde não há lugar para velhos, chama-se Portugal.
 
É um país descalibrado, onde manda muita gente sem calibre.
 
 
O Escritor e Jornalista Joaquim Vieira, leu este artigo na ANTENA 1
Por: Victor Neves.

sábado, 24 de maio de 2014

Meu filho, deixa que te diga, por Susana Toscano

Tomo a liberdade de vos deixar este texto do blog Quarta República, numa resposta de uma "grisalha" às preocupações dos filhos, que esquecem o mais elementar, tudo o que têm lhes foi possibilitado pelos seus progenitores, muitas vezes, sabe-se lá com que sacrifícios e insuficiências.
 
E quanto à dívida direi: e o património?
 
Há atual geração de "grisalhos" alguém lhes deixou património, como aquele que seus filhos vão usufruir?
 
Deixo à vossa consideração a análise e eventuais comentários sobre o texto.
 
José Capitão Pardal
 
........///......
 
Meu filho,
Chegaste a casa empolgado da manifestação, vieste com os olhos brilhantes a falar da mudança do sistema e do grande crime que as gerações mais velhas cometeram para com os da tua idade.
 
Vieste a falar do “massacre geracional” e dos benefícios dos reformados que serão vocês que sustentam.
 
Disseste até que são explorados hoje e que, quando for a vossa vez, não terão o dinheirinho da reforma à vossa espera.
 
Pois, filho, deixa que te diga umas coisas para acrescentares à tua reflexão.
Eu e a tua mãe vivemos sempre do que pudemos ganhar com o nosso trabalho.
 
Eu entrei para o Ministério como auxiliar de contabilidade, depois de tirar o curso à noite, a trabalhar de dia como vendedor, porque o meu pai, pobre agricultor, mal ganhava para o sustento dos meus irmãos mais pequenos.
 
Nunca gostei de contabilidade, gostava era de vender, mas era uma profissão certa e eu tinha família para sustentar.
 
A tua mãe ficou em casa, a cuidar de ti e da tua irmã, porque não havia escolas para os pequenitos e as vizinhas já não podiam tomar conta de mais crianças.
 
Sempre sonhei montar o meu escritório de contabilista mas o que queres?
 
Como funcionário teria direito à pensão para a qual descontava, a minha família beneficiava da ADSE, para a qual descontei, era a segurança da minha velhice e da tua mãe.
 
Fiquei, fiquei 42 anos e reformei-me como chefe de repartição, a tua mãe com muito menos porque só descontou 20 anos como auxiliar numa escola.
 
Com a velhice assegurada, ainda que modestamente, pagámos os teus estudos até tarde, já tinhas mais de 25 anos quando acabaste o curso na Universidade privada porque nunca tiraste média para ir para o ensino público.
 
Foi com o meu salário que te compramos a mota, depois te demos a carta e o automóvel, foi porque pensámos que não precisaríamos de juntar para a velhice mais do que o que descontávamos que te pagámos os anos de inglês, o karaté, as viagens nas férias com os teus amigos.
 
Sim filho, deixa que te diga, acusaste-me tantas vezes de ser conformado, de ir para a repartição e ter um salário modesto, querias que arriscasse, abrisse um negócio, como o pai da Elsa, a rapariga de quem estás divorciado, mas se eu deixasse tudo lá se ia a minha pensão e a proteção na saúde, teria que juntar para a minha velhice e da tua mãe e não poderia dar-te e à tua irmã o que tanto gostavam.
Comprámos a casa a crédito porque já não suportavas o bairro modesto, a casa alugada e velha, querias viver bem, a tua irmã dizia que tinha vergonha de levar lá os amigos do colégio, pagámos a casa mesmo a tempo de te ajudar a comprar a tua, quando casaste e o pai da Elsa já estava em sarilhos com os seus negócios.
 
Ainda te disse para ficarem lá em casa, até endireitarem a vida, a tua irmã já estava a estudar fora, no Algarve, no curso que escolheu, com um esforço acomodávamo-nos todos, mas não quiseste, gritaste que eu era manga-de-alpaca, que nunca teria uma vida capaz, a prova é que nunca saí da repartição, a contar com a reforma e as pantufas.
 
Pois é, filho, desculpa, pensei que podia gastar contigo e com a tua irmã o que os meus pais não puderam gastar comigo.
 
Pensei que tinha uma reforma e por isso não precisava de proteger mais os meus anos de velho.
 
O que eu não sabia era que te estava a explorar.
Agora gritas que me sustentas, e à minha reforma e eu não sei porquê mas talvez tenhas razão, eu devia ter sido mais prudente e guardar para mim e para a tua mãe o que te dei com tanto amor.
 
A contar que não te seria pesado, que não terias que me sustentar como eu fiz com os meus pais e a tua mãe com os dela, lembras-te? Vieram viver cá para casa, admiraram-se com a nossa casa tão grande, com o nosso nível de vida, e dividimos com eles o que havia.
 
Ainda bem que terei uma reforma, pensei tantas vezes, posso gastar com eles o que ganho, e com os meus filhos, talvez com os meus netos se precisarem.
 
Nunca levei a tua mãe ao México, ou ao Brasil, nem sequer a Paris, gasta com os garotos, dizia ela, eles têm que viver o tempo deles, a gente não precisa.
 
Tu foste, foste a tantos lados, ficavas 6 meses e mais, dizias que era dos estudos, depois voltavas cheio de ideias para comprar um computador novo, um plasma, uns sofás novos, pai, dizias, os tempos são outros, se tens dinheiro compra, para que te agarras ao dinheiro se vais ter uma reforma?
Desculpa, filho, acho que te estou a massacrar, e à tua geração mas deixa que te diga que me preocupa muito a tua mãe, quando eu morrer ela só vai ficar com metade do que eu recebo, se ainda a deixarem receber isso, e não chega, não chega para te ajudar a pagar as pensões de alimentos aos meus netos, não chega, filho, não chega.
 
Deixa que te diga que te dei tudo o que tinha, com orgulho e com amor.
 
Hoje, filho, quando te ouço, penso quem me dera ter poupado para a minha velhice e da tua mãe, em vez de te ser tão pesado agora, com a minha pensão.
 

segunda-feira, 3 de março de 2014

APRENDER COM OS VELHOS, por Inês Pedrosa


Há artigos de opinião que são de uma clarividência, de um sentido crítico e de uma atualidade, que nos levam a desejar divulga-los, partilhando o seu conteúdo com "todo o mundo".
É o que sucede com o artigo, que "achei" no Facebook e que é apresentado como sendo da autoria de Inês Pedrosa, que aqui vos deixo:

APRENDER COM OS VELHOS

por Inês Pedrosa

Choram jornais e telejornais porque Portugal, veja-se a pouca vergonha, é um país de velhos.
Em 1970 era uma pátria ...pujante de juventude, relembram os noticiários – o que se esquecem de acrescentar é que nessa época os pobres morriam sem chegar a velhos, porque não havia cá modernices de serviços nacionais de saúde, nem sequer a alfabetização mínima para os procurar a tempo.

A natalidade não tinha controlo, nem convinha que tivesse, porque a taxa de mortalidade infantil era altíssima, e os muitos filhos, condenados à pobreza por isso mesmo, eram a única riqueza dos pais.
Nos últimos quarenta anos essa taxa desceu assombrosamente, colocando Portugal no topo internacional dos cuidados médicos infantis, o que nunca é demais sublinhar, sobretudo agora que a atmosfera intelectual do país é a do aprofundamento da desgraça.

Como se pode pretender que a natalidade aumente quando os salários são cortados a partir da exorbitante quantia de 600 euros mensais?

Explica-nos o governo que corta as condições de vida da maioria porque os salários altos têm pouca expressão a nível nacional; mas não explica como pedir a casais com os tais salários maioritariamente miseráveis que ainda se atrevam a pôr crianças neste mundo.

O contraponto com os países ricos do norte da Europa, cujas taxas de natalidade têm vindo a crescer, também não nos consola, porque a História desses países foi assim: primeiro, reproduziram-se pouco e fizeram-se democraticamente ricos; depois, começaram a procriar.

O ser humano só é valorizado quando escasseia, como a trágica História dos sobrepovoados países de África não deixa de nos recordar.
É assim com tudo, aliás: o que não temos é sempre o melhor.

A realidade atual é esta: Portugal forma todos os anos resmas e resmas de jovens altamente qualificados aos quais não tem qualquer projeto de vida a apresentar, a não ser a emigração.

O primeiro-ministro fala também em ‘empreendedorismo’, mas quantos jovens recém-formados têm a capacidade financeira mínima para lançar uma empresa, por muito boas ideias que tenham?
E que possibilidades de sucesso terão essas novas empresas num país retraído, aterrorizado e reduzido aos mínimos da sobrevivência?

A solução imediata seria valorizar o conhecimento e a experiência feita dos mais velhos, mas o que vemos é urgência em despedi-los – caros e incómodos que são.
A velhice traz a manha da resposta e da insubmissão, muito inconvenientes nesta era de jovens apressados e obedientes, apostados apenas no sucesso individual e na aprovação do ‘estrangeiro’.

Há dias, o diretor da informação da RTP lamentava que a média etária dos funcionários da estação fosse de 40, em vez de 30 anos.

A mim parece-me, pelo contrário, que uma estação pública e de referência deve ter gente com memória e sabedoria.

Ser velho tornou-se um estigma, como o era ser novo, no tempo em que eu era nova.
Ao atual discurso de endeusamento da juventude corresponde, paradoxalmente, um vazio de esperança e horizonte que destrói as melhores qualidades dos jovens. E corresponde também um desrespeito sem limites pelos que cometem o crime de envelhecer.

O desrespeito pelos outros vira-se sempre contra nós próprios; escorraçando os velhos e o passado que eles representam, fechamos as portas ao futuro.
É nisso que estamos.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O roubo do presente, por José Gil

No Facebook vão aparecendo "obras primas", que não posso deixar de partilhar com todos os meus leitores, a quem não terão chegado estes textos...
Não sei quem é o José Gil, mas o seu texto retrata a realidade atual...
Espero que não leve a mal a reprodução...
 
..........///..........
 
"O roubo do presente", por José Gil

"Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova ditadura - não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe de estado e terá um só partido e um só governo - ditadura psicológica.

"Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida.
Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente.
Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.
O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência.
O passado de nada serve e o futuro entupiu.

"O poder destrói o presente individual e colectivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar.
Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho.

"O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress, depressões, patologias border-line enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem.
É o massacre dos professores.
Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens).

"O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida.
O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direções.
Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.
Atualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais.

"O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si».
A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se.
Não há tempo (real e mental) para o convívio.
A solidariedade efectiva não chega para retecer o laço social perdido.

"O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil.
Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade.
Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim.

"O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo.
Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espectral.
Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.
Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual.
É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português.
Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso poder de ação.
É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país."
 
José Gil