segunda-feira, 3 de março de 2014

APRENDER COM OS VELHOS, por Inês Pedrosa


Há artigos de opinião que são de uma clarividência, de um sentido crítico e de uma atualidade, que nos levam a desejar divulga-los, partilhando o seu conteúdo com "todo o mundo".
É o que sucede com o artigo, que "achei" no Facebook e que é apresentado como sendo da autoria de Inês Pedrosa, que aqui vos deixo:

APRENDER COM OS VELHOS

por Inês Pedrosa

Choram jornais e telejornais porque Portugal, veja-se a pouca vergonha, é um país de velhos.
Em 1970 era uma pátria ...pujante de juventude, relembram os noticiários – o que se esquecem de acrescentar é que nessa época os pobres morriam sem chegar a velhos, porque não havia cá modernices de serviços nacionais de saúde, nem sequer a alfabetização mínima para os procurar a tempo.

A natalidade não tinha controlo, nem convinha que tivesse, porque a taxa de mortalidade infantil era altíssima, e os muitos filhos, condenados à pobreza por isso mesmo, eram a única riqueza dos pais.
Nos últimos quarenta anos essa taxa desceu assombrosamente, colocando Portugal no topo internacional dos cuidados médicos infantis, o que nunca é demais sublinhar, sobretudo agora que a atmosfera intelectual do país é a do aprofundamento da desgraça.

Como se pode pretender que a natalidade aumente quando os salários são cortados a partir da exorbitante quantia de 600 euros mensais?

Explica-nos o governo que corta as condições de vida da maioria porque os salários altos têm pouca expressão a nível nacional; mas não explica como pedir a casais com os tais salários maioritariamente miseráveis que ainda se atrevam a pôr crianças neste mundo.

O contraponto com os países ricos do norte da Europa, cujas taxas de natalidade têm vindo a crescer, também não nos consola, porque a História desses países foi assim: primeiro, reproduziram-se pouco e fizeram-se democraticamente ricos; depois, começaram a procriar.

O ser humano só é valorizado quando escasseia, como a trágica História dos sobrepovoados países de África não deixa de nos recordar.
É assim com tudo, aliás: o que não temos é sempre o melhor.

A realidade atual é esta: Portugal forma todos os anos resmas e resmas de jovens altamente qualificados aos quais não tem qualquer projeto de vida a apresentar, a não ser a emigração.

O primeiro-ministro fala também em ‘empreendedorismo’, mas quantos jovens recém-formados têm a capacidade financeira mínima para lançar uma empresa, por muito boas ideias que tenham?
E que possibilidades de sucesso terão essas novas empresas num país retraído, aterrorizado e reduzido aos mínimos da sobrevivência?

A solução imediata seria valorizar o conhecimento e a experiência feita dos mais velhos, mas o que vemos é urgência em despedi-los – caros e incómodos que são.
A velhice traz a manha da resposta e da insubmissão, muito inconvenientes nesta era de jovens apressados e obedientes, apostados apenas no sucesso individual e na aprovação do ‘estrangeiro’.

Há dias, o diretor da informação da RTP lamentava que a média etária dos funcionários da estação fosse de 40, em vez de 30 anos.

A mim parece-me, pelo contrário, que uma estação pública e de referência deve ter gente com memória e sabedoria.

Ser velho tornou-se um estigma, como o era ser novo, no tempo em que eu era nova.
Ao atual discurso de endeusamento da juventude corresponde, paradoxalmente, um vazio de esperança e horizonte que destrói as melhores qualidades dos jovens. E corresponde também um desrespeito sem limites pelos que cometem o crime de envelhecer.

O desrespeito pelos outros vira-se sempre contra nós próprios; escorraçando os velhos e o passado que eles representam, fechamos as portas ao futuro.
É nisso que estamos.